1 - Eppur si muove
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.."Para
o homem não é fácil começar a pensar.
No entanto, uma vez
que consegue fazê-lo,
nunca mais pára"
Jean Jacques Roussau
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Na Terra, muita coisa mudara no mundo, em recentes anos e - em última análise -, desde a célebre frase de Galileu "Eppur
si muove", a que os inquisidores do Santo Ofício não terão atribuído o
verdadeiro significado.
Aí despontava - ou renascia das cinzas da noite medieval que
ofuscara os Gregos - o verdadeiro génio científico que haveria de fazer do homem um
viajante das Estrelas e do Cosmos. A luneta do sábio mostrara claramente que a
Lua era semelhante à Terra; até se lhe viam montanhas, planícies e o mar!...
Júpiter provou sem remissão não ser "fogo vivo", principiando a
desvelar os seus segredos e as suas quatro pérolas: Io, Calisto, Europa e
Ganimede. Saturno, esse, expunha os seus anéis, como uma virgem jovem e púdica
pela primeira vez expõe os seus.
Este fora o descobridor das ignoradas coisas de cima, o primeiro
visionário da lonjura e do tempo, nas asas ágeis da óptica e no desassossego de
procurar mais além. Viu para além da vista, o que ninguém vira. E, de ver,
imaginou o que não via. Afinal, sempre haveria de haver outros mundos, outras
madrugadas possíveis, outras noites de lua e de estrelas!
Mais tarde - muito... ou pouco mais tarde?... - vencida a força que nos traz amarrados pelos
pés, ao umbigo da terra, um outro homem colocava nos mares celestes um
ínfimo relógio a acordar-nos todas
as manhãs, com um poético bip bip.
Era a consagração do espírito cósmico, do ser-pensante.
O primeiro passo do "deus
nas alturas" a olhar-nos, como se fôssemos nós mesmos, do
cimo do Olimpo inacessível e temido.
Depois foi a sucessão conhecida dos feitos imorredoiros que fizeram o
sonho último dos inquietos, e que encheram de pavor, ou pura e simplesmente
deixaram indiferentes os imbecis e os ignorantes.
Este mesmo homem que já fora Pitecanthropos
e Cro-magnon, que apenas vivera para viver e só merecera do chão
da terra o seu fim último, ensaiava uma série de experiências visando perceber
o sentido desconhecido da vida e os seus limites. Estaríamos sós no Universo?
Seria ele intransponível ou
completamente inóspito para o nosso metabolismo de carvão e água, ou seria
possível alcançá-lo, abarcar o seu todo e uma pluralidade ou infinidade de
mundos habitados, ou a habitar?
Soavam ainda os ecos de provável vida biológica perto de nós, nos canali
de Marte, observados por Percival Lowell e exacerbados por Orion Welles, na
célebre rábula da invasão dos marcianos que assustou meio mundo yankee.
Como seria
essa vida? Seria igual à nossa? Ou parecida, ao menos, como Robison pretendia
por volta do primeiro quartel do século XX, pintando os Marcianos como criaturas espertas, de longas
orelhas e olhos como feijões caritos, imitando as feições dum chinês, bebedores
de chá e hábeis condutores de automóveis?
O homem pensante, o astrónomo, todos os inquietos, não desistiram.
Puseram-se a pensar, a desenhar, a fazer espelhos e tubos para ver mais longe
ou, apenas... a deduzir equações intermináveis.
E um belo dia, munidos da ciência da pólvora e dos pássaros, punham no
Espaço um enxame de abelhas, a ver se elas construíam hexagonais os seus favos
e se a hierarquia terrestre se mantinha, lá no alto, próximo dos deuses.
Ensinou macacos a voar, segredou segredos inconfessáveis a vermes e répteis,
disse aos pássaros que havia outras ilhas, para além dos mares. E com a mesma
singela naturalidade com que domesticou animais pondo-os ao seu serviço, desde
Lascaux e Kapovaya, deu asas à cadela Laika, para que ela pudesse
admirar, por ele, o esplendor do
planeta, feito de azul e luz. Passados tantos anos, séculos de gerações que se
foram multiplicando no deslumbramento de ser e na angústia da existência
precária e breve, o pobre animal perdura na memória dos homens, na sua ânsia de
absoluto, no seu questionar infatigável de si mesmo e do seu destino; não terá
o esplendor mítico da máscara de ouro de
Totankhamon, mas parece olhar o infinito da mesma maneira, podendo ainda hoje
admirar-se embalsamada, num museu de Leste, como a um faraó, ou um fresco de
Miguel Ângelo.
As portas do Céu abriam-se; Yuri Gagarine ficou para a História,
ilustrando-se e imortalizando-se, por ser o primeiro a transpo-la.
A Era
Espacial aí estava.
E depois das primeiras e tímidas viagens no interior do Sistema, o
homem aventurava-se mais além, no reino das estrelas.
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em A FEBRE DO OURO, pág 9